No cenário corporativo contemporâneo, marcado por rápidas transformações organizacionais, ajustes em contratos de trabalho tornaram-se práticas frequentes. Seja pela necessidade de readequar metas de desempenho, reestruturar políticas de comissionamento ou reformular benefícios oferecidos, essas alterações devem ser tratadas com cautela, pois envolvem efeitos jurídicos relevantes e podem gerar passivos trabalhistas significativos se mal conduzidas.
Este artigo tem como objetivo oferecer uma análise técnica e prática sobre o reenquadramento contratual no âmbito das relações de trabalho, com foco nos limites legais, jurisprudência aplicável e boas práticas preventivas.
- Fundamento Legal: O que diz a CLT sobre alterações contratuais?
O ponto de partida está no artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que dispõe:
“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e desde que não resultem, direta ou indiretamente, em prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
Esse dispositivo consagra o princípio da inalterabilidade contratual lesiva, garantindo que mudanças unilaterais ou que acarretem diminuição de direitos adquiridos sejam nulas de pleno direito.
Em outras palavras: mesmo com o consentimento do empregado, a alteração será inválida se houver prejuízo direto ou indireto a ele.
- Reenquadramento Contratual: O que compreende?
O termo “reenquadramento” pode abranger diversas modificações contratuais, como:
- Redefinição de metas ou critérios de avaliação de desempenho;
- Alteração no percentual de comissões ou formato de bonificação;
- Inclusão ou exclusão de benefícios não obrigatórios (ex: plano de saúde, auxílio-educação);
- Modificação no regime de trabalho (presencial, remoto, híbrido);
- Alteração da função ou escopo de atividades.
Essas mudanças, embora legítimas sob o ponto de vista empresarial, devem obedecer a critérios legais e éticos de transparência, consentimento e não-prejuízo ao trabalhador.
- Riscos de Alterações Não Formalizadas ou Unilaterais
Alterações informais, implementadas sem aditivo contratual ou sem a ciência expressa do colaborador, podem resultar em:
- Reconhecimento judicial de redução salarial ilícita;
- Incorporação de vantagens suprimidas;
- Condenações por danos morais em caso de abusos ou assédio organizacional;
- Aplicação de multas previstas em convenções coletivas ou legislação especial;
- Estabilidade ou indenizações por despedida imotivada após alteração lesiva.
Além disso, é importante observar que direitos reiteradamente concedidos podem gerar incorporação por habitualidade, conforme entendimento consolidado do TST com base no artigo 457, §1º, da CLT.
- O que pode ser alterado e como?
| Alteração pretendida | Pode ser feita? | Requisitos legais e recomendações |
| Metas de produtividade | ✅ Sim | Desde que não interfiram no salário ou direitos adquiridos. |
| Percentual de comissão | ⚠️ Sim, com ressalvas | Requer anuência expressa, formalização por aditivo e justificativa objetiva. |
| Benefícios não obrigatórios (ex: plano de saúde, cesta básica) | ⚠️ Depende do caso | Se já concedido de forma habitual, pode gerar direito adquirido. Mudança deve ser justificada e formalizada. |
| Bônus e premiações | ⚠️ Depende da habitualidade | Se pagos com frequência e sem critério objetivo, podem se integrar ao salário. |
| Mudança de função | ✅ Sim, com limite | Não pode haver rebaixamento salarial ou hierárquico. Preferencialmente formalizar com novo escopo. |
| Regime de trabalho (home office, híbrido) | ⚠️ Sim, se previsto | Requer formalização com base na Lei 14.442/2022 e em política de teletrabalho. |
- Formalização: o que não pode faltar?
Para assegurar validade jurídica às alterações e prevenir litígios, recomenda-se:
- Aditivo Contratual assinado por ambas as partes, com clareza e objetividade sobre as novas condições;
- Registro interno com data de vigência, motivo da alteração e histórico do cargo/função anterior;
- Análise prévia de convenções e acordos coletivos, que podem limitar ou proibir certas mudanças;
- Consulta jurídica individualizada, especialmente em setores com alta rotatividade ou políticas de remuneração variável.
- Exemplos práticos de problemas evitáveis
❌ Situação 1:
Empresa reduz o percentual de comissões dos vendedores alegando mudança na política comercial. A redução é implementada via comunicado interno, sem assinatura dos colaboradores.
Risco: alteração contratual lesiva, com possibilidade de condenação judicial para pagamento das diferenças e danos morais.
❌ Situação 2:
Gestor cancela bônus trimestral alegando baixo desempenho coletivo, mas sem prever a retirada formal no contrato ou em regulamento interno.
Risco: se o bônus era pago com frequência, pode haver entendimento de que integra a remuneração habitual, gerando reflexos em férias, 13º e FGTS.
- Conclusão
O reenquadramento contratual é uma ferramenta legítima de gestão organizacional, mas que deve ser exercida dentro dos limites legais e com responsabilidade jurídica.
Empresas que planejam suas alterações com cautela, priorizam transparência com os colaboradores e formalizam as mudanças corretamente têm não apenas maior segurança jurídica, mas também um ambiente de trabalho mais ético, motivador e sustentável.
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